Publicado em 7 de junho de 2025 às 11:39
Pergunta 1: qual presidente nas Américas utilizou um antigo dispositivo legal para taxar importações e persuadir empresas a instalar fábricas em seu país?>
Resposta: Getúlio Vargas, no Brasil, na década de 1950. E também Donald Trump, nos Estados Unidos, neste ano.>
Pergunta 2: qual presidente nas Américas declarou a "independência econômica" de seu país em um ato pomposo em que adotou o protecionismo industrial?>
Resposta: Juan Domingo Perón, na Argentina, em 1947. E também Trump neste ano.>
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Determinado a proteger a indústria americana com barreiras tarifárias sobre produtos estrangeiros, Trump se assemelha a líderes latino-americanos que muitos consideram populistas.>
Os argumentos do republicano e a maneira como ele promete impulsionar a produção industrial nos Estados Unidos são parecidos com a política de industrialização por substituição de importações (ISI) adotada por Perón, Vargas e outros líderes ao sul do Rio Grande, que marca a fronteira dos EUA com o México.>
"A lógica [de Trump] é muito do século ado, e é por isso que se assemelha tanto às experiências latino-americanas com o ISI", observa Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, coautora de um novo livro sobre o assunto.>
Mas tanto ela quanto outros especialistas alertam para as potenciais consequências negativas de tal medida nos EUA atualmente.>
"O contexto é completamente diferente e, portanto, a lógica desse tipo de política usada hoje não faz sentido", disse de Bolle à BBC News Mundo (o serviço de notícias em espanhol da BBC).>
"Na América Latina, o ISI foi um fracasso retumbante: não há como argumentar que houve resultados mistos.">
Acadêmicos apontam há muito tempo as semelhanças de Trump com líderes latino-americanos em suas atitudes políticas: desde se apresentar como o salvador de seu país em oposição à elite, ando pela eliminação da distinção entre líder e partido, até o desafio aos limites da democracia liberal.>
Mas a comparação de Trump com líderes latino-americanos por razões econômicas é diferente.>
O banco de investimentos JPMorgan Chase observou em um relatório há algumas semanas que "o risco para os mercados é que as autoridades políticas dos EUA repitam os erros de líderes latino-americanos como o ex-presidente argentino Juan Perón: protecionismo, falta de independência do banco central e um desrespeito generalizado pela estabilidade macroeconômica".>
"Ironicamente, muitas economias latino-americanas fizeram progressos significativos nessas áreas, ao mesmo tempo em que os participantes do mercado questionam cada vez mais a credibilidade econômica dos EUA", acrescentou o relatório do banco.>
O ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, traçou um paralelo semelhante.>
"Na América Latina, tivemos o modelo de substituição de importações por muito tempo. Tínhamos um Mercado Comum Centro-Americano com esse modelo. É isso que o presidente Trump está fazendo: o que abandonamos anos atrás", disse Arias, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em entrevista à BBC News Mundo em abril.>
Então, em que consiste essa política?>
A estratégia de substituição de importações, ou ISI, adotada do México à Argentina, particularmente entre as décadas de 1930 e 1950, buscava reduzir a dependência do mercado externo e alcançar a autossuficiência econômica após a Grande Depressão e as Guerras Mundiais.>
Diante dessa turbulência internacional e da migração das áreas rurais para as cidades latino-americanas, que demandavam empregos urbanos, os governos da região buscaram que as indústrias nacionais produzissem bens de países desenvolvidos.>
Com o apoio teórico da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), foram criadas barreiras tarifárias sobre certas importações que pretendiam substituir por produtos locais, além de recorrer a outros instrumentos, como subsídios ou cotas de importação.>
O desejo de proteger a indústria local com tarifas é a principal coincidência do ISI com a agenda de Trump, que agora está abalando o comércio global.>
"Esta é a nossa declaração de independência econômica", disse Trump em 2 de abril, quando anunciou, na Casa Branca, um muro tarifário sobre remessas de mercadorias de grande parte do mundo para os EUA.>
O conceito de "independência econômica" foi incluído em um documento que Perón assinou em cerimônia solene como presidente argentino em 9 de julho de 1947, quando aumentou as tarifas para industrializar seu país durante seu primeiro mandato.>
"A Nação alcança sua liberdade econômica", dizia o texto de Perón. E ele enfatizou: "livre do capitalismo estrangeiro e das hegemonias econômicas globais".>
"Líderes estrangeiros roubaram nossos empregos, bandidos estrangeiros saquearam nossas fábricas", disse Trump em abril, referindo-se ao déficit comercial dos EUA. Ele prometeu: "Teremos uma nação muito livre e bela; será o Dia da Libertação.">
Para impor suas tarifas de importação, Trump lançou mão da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, de 1977. Esta lei é objeto de uma batalha judicial.>
Na semana ada, um tribunal federal declarou ilegal o uso da norma com este fim, mas uma corte de apelações aceitou o seu emprego, pelo menos temporariamente.>
Muito antes disso, quando voltou à presidência do Brasil em 1951, Getúlio Vargas também recorreu a um instrumento legal de anos antes para impor suas tarifas de importação.>
A "lei do similar" permitia que produtores locais se registrassem, solicitando a proteção do governo contra concorrentes diretos do exterior.>
Da mesma forma que Trump nos dias de hoje, Vargas procurava pressionar as empresas estrangeiras para instalarem indústrias no país, sob pena de perderem o o ao amplo mercado doméstico brasileiro.>
É claro que também existem algumas diferenças.>
Perón e Vargas promoveram empresas estatais em amplos setores da economia, do petróleo à eletricidade, enquanto Trump defende a redução do Estado e, ao mesmo tempo, sua intervenção na economia.>
Os EUA são agora uma nação desenvolvida, enquanto os países latino-americanos que adotaram políticas de substituição de importações aspiravam alcançar o desenvolvimento por meio da industrialização.>
Em toda a região, essas estratégias permitiram que fábricas prosperassem com relativa rapidez, e países como Argentina, Brasil e México se tornaram semi-industrializados antes da década de 1970.>
No entanto, a estratégia encontrou vários obstáculos: desde frequentes problemas de balanço de pagamentos, porque as indústrias locais necessitavam de peças e máquinas importadas, até ineficiência produtiva, formação de monopólios e oligopólios e também corrupção.>
Algumas medidas adotadas para corrigir essas dificuldades, por sua vez, levaram à inflação, desvalorizações da moeda e desequilíbrios fiscais.>
Outro problema apontado por especialistas é que, diferentemente dos países asiáticos, que também implementaram políticas de substituição de importações e aram a competir globalmente, na América Latina a estratégia foi desenvolvida internamente e fez com que a região perdesse capacidade exportadora.>
De Bolle destaca que o México, ao abandonar o ISI para firmar seu acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá na década de 1990, conseguiu se industrializar ainda mais e se tornar menos dependente da exportação de matérias-primas.>
"Brasil e Argentina nunca escaparam (do ISI) até hoje e têm indústrias nada competitivas", ressalta. >
"A razão é que, com o tempo, essas políticas geram uma espécie de dependência do setor privado em relação ao governo, um fenômeno tóxico que resulta em baixo crescimento e, frequentemente, crises fiscais.">
Um paradoxo é que o atual presidente da Argentina, Javier Milei, é um aliado de Trump, mas criticou "o modelo fracassado de substituição de importações" aplicado em seu país.>
Trump, no entanto, mantém sua postura protecionista, apesar de ter modificado parcialmente sua política comercial quando os mercados reagiram negativamente.>
Por exemplo, ele reduziu as tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30% após um acordo bilateral, em meio a alertas sobre riscos inflacionários. >
Mas, na terça-feira (03/06), dobrou as tarifas sobre aço e alumínio estrangeiros (de 25% para 50%), argumentando que isso "fortaleceria ainda mais a segurança da indústria siderúrgica".>
No entanto, novos sinais adversos estão surgindo em relação a essas políticas.>
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou na terça-feira que o crescimento do PIB dos EUA será de 1,6% este ano, inferior aos 2,8% em 2024, se a tarifa efetiva sobre importações que Trump manteve até meados de maio continuar.>
E observou que essa tarifa é a mais alta para os EUA desde 1938: em média, aumentou de cerca de 2,5% no ano ado para mais de 15%.>
O alerta de vários economistas é que tais medidas, sem um plano claro, podem incentivar a produção local, mas aumentar o preço das importações e bens intermediários do exterior, o que eleva a inflação e prejudica os setores e trabalhadores que o presidente alega proteger, como demonstra a história da América Latina.>
"A lição é que políticas dessa natureza, adotadas por períodos prolongados ou executadas de qualquer forma, têm resultados desastrosos", diz De Bolle, "e não será diferente aqui nos EUA".>
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