Acompanhamos, estarrecidos, nos últimos dias, as notícias sobre a morte do adolescente Kaylan Ladário dos Santos, de 17 anos, ocorrida em 18 de fevereiro de 2025. Um vídeo que veio a público recentemente mostra o jovem sob custódia de policiais militares na Segunda Ponte, pouco antes de sua queda de uma altura de 14 metros. Kaylan foi encontrado morto, e três PMs foram presos, suspeitos de envolvimento no caso.
Embora as imagens não mostrem o momento exato da queda, elas levantam graves suspeitas sobre a conduta dos agentes. Causa profunda estranheza que esse episódio brutal só esteja sendo amplamente noticiado quase quatro meses após o ocorrido.
O assassinato de Kaylan escancara, para todo mundo ver, o que os movimentos sociais vêm denunciando: a política violenta e de morte praticada nas periferias da Grande Vitória e no interior do Estado por parte de agentes da Polícia Militar, supostamente orientados para esse objetivo. Tais práticas são estimuladas pelo comando-geral da corporação e por deputados e vereadores histriônicos, corroboradas pelo silêncio omisso e cúmplice de autoridades, instituições e da própria sociedade.
A morte de Kaylan fez emergir a triste memória dos meninos da Baía de Vitória — adolescentes assassinados, cujos corpos foram encontrados boiando na baía — e da morte de Jean Alves da Cunha, covardemente assassinado em 1992. Diversos policiais militares estavam envolvidos na morte de Jean e foram denunciados, mas nenhum foi condenado.
Essa morte se soma a outras centenas que aconteceram no Estado nos últimos anos, sem que esses homicídios sejam devidamente investigados. Basta, para o fim das investigações, a declaração de “fé pública” dos agentes policiais de que houve conflito ou resposta à injusta agressão, e seus autores ficam impunes.
São mortes de jovens empobrecidos, que deixam atrás de si um rastro de sangue misturado à lama e ao lixo; são corpos de jovens negros, que tombam sem vida nos becos e escadarias das periferias, deixando um vazio eterno no coração de suas mães, que chorarão para sempre a sua morte e jamais serão consoladas; são vidas interrompidas que partem, deixando um gosto amargo de dor e indignação na boca de quem fica.
As testemunhas dessas mortes questionam: que justiça é essa que se omite diante da banalização da violência no Espírito Santo? Que sociedade é essa que se cala diante de tanta atrocidade, legitimando a violência policial?
É fato que, desde o fatídico fevereiro de 2017, quando cerca de 300 pessoas foram assassinadas no Estado, devido à paralisação da Polícia Militar — em um movimento político sem precedentes, orquestrado nacionalmente —, a violência nas periferias e as mortes causadas por policiais militares aumentaram, diante da inércia dos organismos reguladores, principalmente após a anistia concedida aos policiais insubordinados que, ao invés de representar um gesto de pacificação, consolidou uma perigosa mensagem de impunidade, enfraquecendo os mecanismos de controle civil sobre as forças de segurança.
Nas últimas semanas, tanto o governo estadual quanto o municipal têm alardeado a redução no número de homicídios. Matérias enfatizaram esse dado, mas nenhuma aborda as mortes dos jovens negros e empobrecidos causadas pela Polícia Militar. Então, de quais homicídios estamos falando? É como se essas mortes não tivessem acontecido ou como se as vidas desses jovens não existissem. São mortes e vidas invisibilizadas e apagadas da história. Nem sequer são consideradas estatisticamente. E o que nós temos com isso? O que estamos fazendo com nossas vidas ao sermos cúmplices dessa violência que tem cor, território e condição social? Quais seriam as consequências institucionais caso o adolescente jogado da ponte fosse branco, endinheirado e filho das famílias “tradicionais” de Vitória?

A morte de Kaylan joga luz sobre esses dados e escancara o cinismo institucional e social que impera nas instituições capixabas. Se os policiais militares e demais agentes de segurança usassem câmeras nos uniformes, muitos atos de violência poderiam ser evitados e muitas vidas poupadas — inclusive a de Kaylan. Mas por que o governo do Estado e as prefeituras seguem adiando a adoção efetiva das câmeras corporais para os agentes de segurança? A quem interessa manter escondidos os atos de violência e os homicídios cometidos por agentes públicos?
Esperamos que a morte de Kaylan — e a comoção que ela tem causado — não se torne apenas mais uma. Nós nos solidarizamos com seus familiares e amigos e reafirmamos nosso compromisso de continuar reivindicando políticas de segurança pública que prezem pela paz, pelo reconhecimento da dignidade de cada pessoa, pelos direitos humanos e pelo cuidado com a vida — nosso maior bem.
Um corpo é jogado ao mar, e não nos horrorizamos nem exigimos mudanças nessa política de morte? É impossível não lembrar de uma frase atribuída a Martin Luther King Jr.: “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons.”
Até quando aceitaremos tamanho horror?
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